segunda-feira, 21 de abril de 2008

Norte

Desconhecido



"Já pensaste em tentares mais uma vez ?"



O amôr tinha desaparecido, dizia eu. Não fazia sentido tentar. Tentar o quê ? Amar é estar encantado. E esse já se tinha perdido há uns tempos.
Mas foi uma pergunta repetida vêzes sem conta. Por quem me queria bem e por outras. E fui-me apercebendo de que uma boa parte das pessoas tem medo da possibilidade. Ou da probabilidade de tal lhes acontecer. Cada uma tem os seus fantasmas.
Descobri que as pessoas que se acomodam têm as suas razões mas, sobretudo, porque é estável. Constante. Os dias passam e são iguais. De fundamental, pouco ou nada muda. E têm medo de perder essa doce monotonia.



E é doce. Numa relação, por muito má que ela se torne, há uma parte de nós que está lá. Que fica ligada às pequenas coisas.
O acordar. O pequeno-almoço. Os pratos, as canecas, as fotografias, todos no seu sítio do costume. Os cheiros, os sons do dia-a-dia dentro de casa. Nem que sejam berros. Ou silêncios. Como se vivêr de outra forma fosse inconcebível. Creio que ao fim de uns anos longos numa relação, deixamos um pouco de sêr alguém para além do casal. O nosso Norte está ali e sem ele, deixamos de saber navegar.

Talvez seja por isso que muita gente volta ao que tinha. Encontrar um novo Norte significa navegar noutros mares, mas que são mares desconhecidos. Conhecer outras terras e outras gentes. E nem todos estão dispostos a fazê-lo.
Desculpas como " E os meus filhos ?", ou o "Não tenho idade para isso" são frequentes. Também há aquela do "Quando casei era para o resto da vida". Mas gosto sobretudo da "É mesmo assim, o amôr não dura para sempre. Para quê deixar isto e recomeçar se vai dar tudo ao mesmo ?"
Infelizes. Mas sossegados no seu cantinho. À espera que os dias passem. Um após o outro...



Como eu cheguei a um ponto em que praticamente tudo se esgotou, não coloquei a hipótese de voltar. Apercebi-me de que havia coisas que não queria para a minha vida. E eu não acredito que as pessoas mudem. Não a partir de determinada idade.
Mas confesso que foi estranho e um pouco assustadôr, esse recomeçar. É estranho acordar sem ter alguém o nosso lado. Mesmo que acordar com ela já fosse um pêso.

Logo ao início, tentei fazer tudo da mesma forma que fazíamos. A rotina do dia-a-dia. E como sempre fui um rapazito desenrascadito, não tive problemas em consegui-lo. Com o passar dos dias, fui mudando algumas coisas. E, aos poucos, o mêdo foi-se desvanecendo.
Nessa fase inicial foi importante ter alguma disciplina. Fica-se muito fragilizado e é fácil perder o controle à nossa vida.


Com o passar do tempo, fui-me apercebendo que era fácil. Afinal de contas, nós homens não dependemos delas para termos as nossas coisas, na nossa casa. E é treta que, sem elas, é roupa suja por todo o lado e louça por lavar.
Passei a fazer as comidas que gostava, a passar a roupa a ferro ao meu modo (as camisas passaram a ficar mais bem passadas) e, sobretudo, descobri que, afinal de contas, todos os meus mêdos eram infundados.
Eu continuava a poder ter todas aquelas pequenas coisas que me faziam falta só que de outra forma. Mais ao meu jeito. Mais minhas.

E é aqui que começou a parte complicada da minha nova vida. Quando consegui sobrevivêr a essa fase inícial da separação, passei a gostar de vivêr sozinho. Dessa independência. Desse sentimento de libertação. Dessa procura pelo meu Norte. Senti-lhe o gosto.
E apercebi-me que irá sêr difícil abdicar de tudo isto futuramente.





"Já pensaste em tentares mais uma vêz ?"

"Não."

"Não o quê ? Ainda não pensaste ? Ou não queres tentar?"

"Não. Simplesmente não quero."

"Porquê ?"

"Posso não saber o que quero da minha vida mas sei o que não quero"

"E tu já não a queres ? Queres perdê-la de vêz ?"

"O que eu não quero é perder-me a mim de vêz..."

Sem comentários: