Desconhecido
Três dias. Já se tinham passado três dias. Tu, a tua irmã com o marido e o filho de férias na praia... Que inveja! Que saudades do mâr...
O telemóvel não diminui a distância. A tua vôz à espera de algo...
- Vem cá ter...
- Não posso. Tu sabes disso. Saio de serviço só logo à noite e amanhã entro logo às 8 da manhã. E tu estás a 200 quilómetros...
- Se tivesses mesmo saudades minhas, tu vinhas...
- Claro. Já não durmo quase nada à duas noites e com esta era para eu ficar de rastos. Tu não deves é gostar nada de mim...
Ela sabe que quanto mais me provocam para fazer algo menos vontade tenho de o fazer. Detesto testes.
A tarde toda a pensar no passado. Nas coisas que fiz, nos momentos que passei. Em como fiquei preso por um sentimento a quem não o merece. Em como tudo se vai diluíndo. Como uma mancha que se vai desfazendo enquanto a chuva cai...
Volto a sentir. Ela faz-me sorrir. Faz-me querer. É bom sentir isso.
9 da noite.O restaurante do costume. Simples e caseiro. Ela liga. Discutimos. É difícil largar alguém que me ama assim tanto. Ao ponto de me dizêr coisas más.
Janto irritado.
A paciência do dôno para comigo. Ele já me conhece... Acabo de jantar com um café e um "Uma boa noite. Tudo se há-de compôr".
São 10 da noite. Paro na estação de serviço para cigarros e uma extravagância: combustível...
Tiro um cigarro. Chegar a casa e descansar que há duas noites que só durmo 3 horas. Ainda estou irritado com a discussão. Com esta cidade. Com esta claustrofobia.
Acelero. Música bem alto. A estrada à noite enquanto vou devorando quilómetros e passando carros sucessivamente. Espero que não haja nenhum radar à noite...
São quase onze da noite. Está na hora.
- Então, encontramo-nos onde ?
- Onde estás ?
- Quase a chegar aí. Vim pelo outro lado para vêr o mâr enquanto desço a estrada.
- Vem ter à marina. Quinze minutos. Não sei se eles quererão ir também.
- Está bem. Fico à tua espera...
Foi estranho. Não me pareceu muito surpreendida.
Sento-me num banco, frente aos barcos. Veleiros. Adoro veleiros e tudo o que representam...
Chegas perto de mim. Um olhar diferente. Não é mesmo de surpresa. Mas é um olhar bom.
Passeamos pela cidade. Cheia de turistas. Café, conversa. Beijos, abraços, mimos. Mais conversa.
Por vêzes lembro-me dela. Mas depressa me passa. Tu estás aqui e eu estou aqui. Fazes-me bem.
Regressamos.
- Amôr, agora vais para casa para vêr se dormes um bocado. Já estou com um pêso na consciência...
- Não digas asneiras e entra no carro.
- Então ?...
Dois minutos de carro e lá estávamos. A praia completamente deserta à nossa frente. O cheiro da maresia a invadir-me os pulmões. E um sorriso na cara.
- Porque é que vieste ?
- Não sei. Simplesmente vim. O mâr e tu no mesmo sítio...
- Sei que não vieste só por mim...
- Pois não. Vim por mim também... Porque é que me provocaste tanto ? Sabes que eu reajo ao contrário...
- Eu sei. E foi por isso que o fiz.
- Não querias que eu viesse ?
- Queria saber até que ponto tinhas vontade de vir. Eu sabia que tu vinhas...
- Como é que sabias ? Nem eu sabia que vinha até entrar na estrada!
- Se não viesses, não eras a pessoa que eu julgava que serias. A minha irmã perguntou-me porque é que não estava de pijama. E eu disse-lhe que se calhar ainda ia saír à noite...
"Um lugar encantado"... Que outra música seria mais adequada ao momento ?
Saímos do carro. Tiramos os sapatos que ficaram debaixo dos toldos de praia a imitar as Caraíbas...
Não demorou até estarmos a passear com os pés molhados na água fria. Depois as pernas. As calças encharcadas quase até à cintura. Como se nada fosse. Como se fizesse sentido. Faz sentido...
Conversamos e conversamos e conversamos. Beijamos-nos, abraçamo-nos. A cidade iluminada de amarelo e laranja, do lado de lá, a observar-nos. Com a lua quase cheia como testemunha.
Voltamos. Tiramos as calças encharcadas e penduramo-las nos toldos. A noite não está quente mas também não está fria. Beijamo-nos. A minha respiração cada vêz mais profunda. A tua mais ofegante a cada beijo.
Olhamos à volta. Como é possível que no meio daquela imensidão não esteja mais ninguém a não sêr nós dois ?
Volto ao carro buscar uma toalha. Ela sentada na espreguiçadeira debaixo do toldo.
- Vem até à água.
- Nem penses. Está fria. E eu não te vou deixar ir senão já sei o que vais fazer.
- Vá lá. Vem...
- Não. Eu sou tola mas tu consegues sêr mais.
- Está bem...
Ela volta as costas e eu acabo de me despir num ápice. Também, já só me restava uma coisa para despir... Vou a correr em direcção à água. Ela a dizêr-me para não o fazer enquanto sorri.
Entro na água de cabeça. Está óptima. A sensação de nadar e mergulhar naquela água escura e deliciosamente fria... O coração a bater e uma sensação que não consigo descrever. Uma paz que entra dentro de mim...
Ela sorri enquanto fica preocupada que eu arrefeça. Ajuda-me a secar com a toalha mas eu não tenho frio. Sinto o corpo a fervêr e a brisa da noite parece-me um sopro quente que me aconchega.
O olhar apaixonado e calmo dela enquanto me beija. Os nossos corpos encostados um no outro. O desejo a crescer furiosamente. Deitados na areia, continuo a beijar-te. Puxas-me para ti.
Naquele momento, nada mais existiu. Só nós. Quando te puxei para mim e ficaste sentada em mim dentro de ti, a lua iluminou-te o rosto. Estavas linda...
Naquele momento, nada mais existiu. O mundo eramos nós...
Já sentado na espreguiçadeira, aninhas-te no meu meio. Abraço-te com força e tu abandonas o teu corpo no meu.
Dali a poucas horas, quando o dia já fôr dia, a praia estará cheia de pessoas. Pessoas a apanhar sól, a correr, a berrar, a desejarem estar noutro lado, talvez com alguém que ali não vai estar. Alguém se sentará naquela espreguiçadeira a vêr as horas passarem devagar. Nenhuma vai imaginar o que ali aconteceu. Nenhuma sequer pensou nisso. Fomos só nós dois numa praia imensa que, por um momento, foi o nosso mundo.
- Sabes o que me assuta ?
- Que eu tenha vindo ?
- Que nada disto é pensado. Nada disto é programado. Eu sabia que vinhas e tu vieste...
5 e meia da manhã. Queria poder ficar contigo ali deitado até o dia nascêr. Mas preciso de me compôr. Falta pouco para entrar ao serviço. E tenho que o fazêr com um âr de quem não sonha. A maiôr parte das pessoas tolera mal os sonhadôres...